arte por A_TrilityENTREVISTA: AXIA STOWE

A autora de Last Kiss e New Wave Girls (além de diversos trabalhos profissionais já publicados) foi entrevistada em 2005 por Cad (Corações Psicodélicos, Ufo Team: Nova Geração). Acompanhe e comente no fórum :)

 

Cad - Quando se deu seu envolvimento com Hqs?
Axia - Hum... Bom, meu interesse por HQs surgiu na infância, antes mesmo de aprender a ler. Meu pai tinha muitos quadrinhos de diversos estilos, Mônica, Disney, TinTin, Pererê, Comics em geral... Acho que isso foi o que me motivou a ler... para descobrir o que acontecia nas histórias de verdade. Antes de ler eu costumava inventar os enredos olhando os quadrinhos.
Comecei a criar minhas próprias histórias em quadrinhos, com meus personagens antes de entrar na escola... Desenhava o quadrinhos, mas não sabia escrever, então ficava sem balão mesmo. ^_^
Só comecei ingressar de maneira mais séria quando montei meu zine, o Dojinshi ABC em 1996. Depois dele, outros zines vieram e em 1999 comecei a trabalhar profissionalmente na revista Mangá Booken.

Cad - Dentro do universo do mangá, qual artista ou linha de estilo você segue?
Axia - Acho que o shojo, pois minhas histórias e personagens são românticos. As aventuras de teor mágico são minhas favoritas e com aquela leve dose de humor. Costumo me inspirar nos trabalhos de Yu Watase e Equipe Clamp (meus mangás favoritos) mas jamais descarto uma boa referência, seja ficção científica, comédia ou terror. Se bem que para escrever nunca uso mangás como base, para evitar um aspecto autofágico... Minhas influências costumam ser mas cinematográficas neste ponto.

Cad - Você foi descoberta ou se fez descobrir?
Axia - Acho que me fiz descobrir, bom... ingressei nesse meio implorando, mesmo. Enviei uma carta toda melosa e longuíssima para a extinta Editora MeC suplicando um vaga como desenhista... Acho que foi pura sorte, pois em todo lugar essa é considerada a pior tática pra se conseguir qualquer coisa! Mas sei lá... Era uma carta escrita de coração e foi bem aceita na ocasião. ^_^

Cad - Então você conseguiu a vaga como desenhista? Chegou a publicar algo na Mec?
Axia - Sim! Foi nessa ocasião em que conheci a Equipe Frente com a qual fiz outros trabalhos posteriormente. O trabalho para qual fui solicitada na época era na revista Mangá Booken, onde ilustrei o capitulo 3 de Alcatéia. Como a editora fechou a revista foi cancelada. Depois trabalhei para Editora Canaâ ilustrando um livro Infantil "O Menino e o Anjo que não gostava de estudar", também ilustrei outro livro infantil "O Soldadinho de chumbo" para a editora Escala. Ainda na Escala fiz diversos outros trabalhos na área esotérica inclusive contribuindo com matérias.

Cad - A Manga Booken, tal como a Hyper Comics e Mega-Man, eram publicações voltadas à descoberta de novos talentos, mesmo com artistas que floresceram por essas vias, esse tipo de publicação, sempre teve o mesmo fim aqui no Brasil, isso é: cancelamento. Na sua opinião, qual foi o maior erro da Booken, e o que você tiraria como lição profissional em sua participação na revista?
Axia - O principal motivo alegado para o cancelamento de revistas é a baixa vendagem. É logico que uma publicação que vende mal deve ser cortada, porém uma revista que não ultrapassa o número 3 ou 4 não tem tempo suficiente para ganhar público, principalmene quando não tem propaganda. Ou seja, não é que o povo não goste da revista, a maioria sequer chegou a conhece-la!
Grande parte dos quadrinhos nacionais alternativos embarca nas bancas sem ter publicidade alguma. É quase impossivel que alguém preste atenção numa revisa que nunca ouviu falar no meio de tantas outras.
Mas esse é apenas um dos problemas que o quadrinho nacional enfrenta, existem outros, que se não são muito relevantes, unidos tornam-se obstaculos quase intransponíveis ainda mais porque viram círculos viciosos, como o preconceito, a tradição, o tema, a distribuição, a concorrência, baixo equipamento, a má remuneração etc.
Mesmo quando se consegue vencer um destes obstáculos, existe outro e mais outro, somados, acabam por matar uma revista.

Cad - Seu trabalho para a Editora Escala na área de ilustração era direto ou era intermediado por estúdios?
Axia - Meu contato com a Editora Escala foi por intermédio de estúdios, cheguei a trabalhar com três diferentes. Dificilmente um artista consegue apresentar um trabalho que não seja desta forma. O leitor procura nomes conhecidos, as editoras buscarão por estes nomes. Porque investiriam então num novato? Porque ele tem qualidade, seria resposta natural, porém, qualidade de trabalho não se limita a um trabalho bem feito, mas com prazo perfeito, com apresentação nos termos exigidos, e uma série de outros fatores variaveis que cada editora e equipe exige. Como uma publicação não é feita por uma única pessoa, o meio mais fácil é formar uma equipe ou aliar-se a uma, onde o trabalho pode ser distribuído.

Cad - E nessa mesma linha, te pergunto; é mais fácil vender uma ilustração do que uma página de quadrinhos, no mercado Brasileiro?
Axia - Sem sombra de dúvida, vender ilustrações é mais fácil e melhor remunerado do que páginas de quadrinhos. Principalmente pelo fato de existe um campo muito maior para uso de ilustraços avulsas e uma certa resistênia em investir no quadrinhos. Acredito que a dificuldade de vender projetos de quadrinhos deve-se ao motivo de que nomalmente as equipes de quadrinhos são muito reduzidas (não precisaria ser assim), outras publicações costumam ter equipes maiores e o trabalho é mais segmentado. Equipes mínimas acabam sobrecarregando cada funcionário, o que fatalmente resulta nos famosos atrasos da publicação (um dos motivo da morte da publicação). A questão é delicada, mesmo possuindo equipes grandes de HQ para driblar esse problema, existem outros motivos que afastam Editoras de publicar quadrinhos nacionais, embora a maioria seja apenas especulação.

Cad - O mercado de Hqs aqui no Brasil, hoje, parece mais promissor do que quando voce começou?
Axia - Não acho. Embora os desenhistas, roteiristas, e todos os artistas que envolvam a concretização de uma HQ tenham evoluido muito nestes anos, o mercado está mais estrangulado do que já esteve, na minha opinião. Antes da invasão dos mangás japoneses, artistas nessa área tinham mais espaço, concorrer com esses artigos chega a ser quase uma luta inglória. Não se pode negar que hoje, os quadrinhos estão mais ecléticos, existem titulos mais diferentes atualmente. O preconceito de que quadrinhos são para crianças diminuiu muito, mais estilos de arte e enredo podem ser encontrados, no entanto o espaço para os quadrinhos como um todo parece estar mais reduzido.

Cad - Algum projeto novo? Como anda sua agenda de trabalhos?
Axia - Sempre existem projetos e trabalhos novos para um ilustrador. A imagem hoje vende mais que palavras, você pode perceber muito isso na propaganda de um modo geral. A agenda de um artista é sempre flexivel, mutando conforme a maré e adaptando-se com as exigências sem stress. Atualmente estou trabalhando em dois projetos de livros infantis: "A perolinha" e "A Velha Loja de Brinquedos". Porém sempre guardo um espaço para projetos novos ou pessoais, buscando sempre maior versatilidade no meu trabalho.

Cad - Muitos desenhistas brasileiros são agenciados para trabalhos no exterior, EUA e Europa, já no segmento do manga parece difícil se exportar esse tipo de profissional, até porque no Japão o que não falta é essa mão de obra. Nunca pensou em adaptar seu traço ou tentar algo diferente para angariar novos espaços?
Axia - Sim. Variar o estilo é sempre algo interessante e enriquecedor. Meu traço sempre foi muito próximo do mangá, com a febre de animes, fui adaptando meu traço cada vez mais para este estilo. Já pensei em modificar o traçado, embora os motivos mais fortes eram o de tentar novas tendências, e não tanto de procurar um novo segmento profissional.

Cad - É natural vermos jovens que , estão começando, terem visão romanceada da profissão, como é viver em um mercado como o brasileiro, um segundo emprego é a opção mais coerente?
Axia - Sim. Ter um segundo emprego é vital. Existe pouco espaço para desenhistas e para os quadrinistas este espaço é ainda menor. Optar por um outro trabalho é uma forma prática, porém cansativa de sustentar essa carreira.

Cad - Nesses seus anos de HQs oque mais te alegrou e o que mais te frustrou como profissional?
Axia - Sem sombra de dúvida, o que mais me alegrou foi o fato de saber "Eu sou capaz". Alguma vezes surgiam prazos apertados (como num caso em que tinha cerca de menos de 24 horas entre o recebimento do material a ser desenhado e a entrega dele nas mãos do editor), em outras ocasiões os problemas eram a falta de recurso (antes de ter scanner e internet cheguei a pagar pessoas e estabelecimentos para fazerem este serviço para mim mais de uma vez), embora a cada novo trabalho a dificuldade de executá-lo aumentava, eu sempre conseguia vencer as adversidades e entregar o material com a qualidade exigida e no prazo correto.
O que sempre frustrou foi a baixíssima remuneração, e principalmente o fato de que em cada novo trabalho recebia-se cada vez menos, até a não se receber absolutamente nada. Notando esse imenso obstáculo abandonei o universo dos quadrinhos e resolvi dedicar-me a outro trabalho, pois o que se ganhava com quadrinhos sequer sustentava o proprio trabalho em si.

Cad - Hqs on line, saída ou atalho?
Axia - É possivel que as HQs on line sejam um atalho para os artistas nacionais mostrarem seu material e abrirem portas para trabalhos futuros. Todos os veículos e recursos devem ser utilizados na medida do possivel, na minha opinião!

Cad - Para finalizar deixe um recado para o pessoal que curte seu trabalho e que gostaria de ingressar na profissão.
Axia - Os sonhos são a verdadeira força na arte. Jamais desista deles, pois é tudo que você possui.


Entrevista por Cad. Ilustração de LadyBugGirls por A. Trility. Capas de histórias por Axia Stowe