"Resenhas" rápidas: Até o Fim • Ragnarök • Multiverso

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• Até o Fim (de Eric Peleias, Gustavo Borges, Michel Ramalho) - "Um grupo de amigos sofre um acidente de carro e uma deles tem até o sol nascer para escolher um destino adequado para os outros e voltar a vida". Peguei esse gibi numa promoção, sem esperar muito, e foi o que recebi: uma HQ nacional bem desenhada, com um roteiro bem conduzido e personagens simpáticos - mas nada muito além disso.
Ok, tem umas reviravoltazinhas espertas na história e a escolha de colorir a revista toda em tons de azul foi arriscada - funciona para dar o clima de limiar entre vida e morte, noite e dia - mas faltou ousadias maiores, e o tema da HQ é daqueles que dá muita margem pra isso.
# Veredicto: vale uma leitura, se achar com preço em conta.
# Bom: a história flui, o acabamento físico da revista é excelente.
# Mau: o uso de capa dura certamente encareceu o produto, mas duvido que conseguiria espaço nas livrarias se usasse capa cartão.
96 páginas • R$39,90 • 2017 • veja no site da editora

Ragnarök (de Walter Simonson) - Quando era menino e lia gibis de super-heróis da editora Abril, achava o Thor um personagem insosso. Numa época em que se publicava, por exemplo, X-Men e Novos Titãs em seu auge, as melhores histórias que li do Deus do Trovão eram bem medianas, bem burocráticas. Pros meus primórdios de gibi, ele era tipo um figurante de luxo nos diversos mixes editorais e nas equipes super-heróicas, um personagem que não faria falta se sumisse, o chamado "dedinho do pé".
Mas isso mudou quando descobri a fase escrita e desenhada pelo Walter Simonson. Confesso que peguei o bonde andando, depois de comprar um gibizinho (sim, era na época que os gibis eram pequenos) na banca após um dos meus hiatos longe dos quadrinhos por falta de $$. E, assim que li algumas das histórias, vi que estava com um material diferenciado e fiz questão de sair caçando as edições anteriores nos sebos para acompanhar religiosamente até o final: apesar de mais conhecido como desenhista, Simonson soube escrever o filho de Odin, dar personalidade a cast de personagens secundários, transformar Asgard e arredores em lugares interessantes, eu sentia que ali era um fã colocando a alma no trabalho, um profissional que pesquisou a mitologia nórdica e a reescreveu para aproveita-la da melhor forma para as histórias que queria contar. Além de uma boa surpresa como roteirista, é um desenhista estabelecido, com traço estilizado pessoalíssimo, que sabia diagramar e a rara arte da tipografia.
(e em certa altura, Walter passa a arte para Sal Buscema, um artista da velha guarda que eu não via graça - ele trabalhou trocentos anos com o Hulk antes, num encadeamento besta de histórias que tem lá seus fãs - mas que pareceu ter ganho vida nova no novo trabalho, mais expressividade até: milagres que um bom roteiro faz)
Enfim, Thor deixou de ser um genérico oxigenado do Superman (ser que veio de outro mundo, que voa e tem superforça, uma fraqueza, identidade secreta e um triangulo amoroso envolvendo suas duas identidades e uma bela mulher que trabalha com ele) com fala empolada para se tornar alguém. E mesmo quando virou sapo (é!!), era um personagem legal. Mas... tudo que é bom termina, Walter Simonson terminou seu run de forma épica, entregou o personagem para outro profissional e a magia acabou. E para mim, o personagem acabou ali.

Sim, esse foi um texto de fã, que gastou uma boa grana quando saiu um encadernado com todas as histórias em inglês do Thor do Walter Simonson - originalmente publicadas entre 1983 e 87 - e não se arrepende nem um pouco disso.

Mas, vamos falar da revista que supostamente estou resenhando aqui:
Em 2014, em outra editora (a IDW) Simonson começou a escrever e desenhar uma história em que Thor desperta de um longo sono, com aparência de um zumbi sem mandíbula, eras depois do fim de todos os deuses e do próprio reino de Asgard... e não, não é o personagem da Marvel que ele trabalhou uma vida atrás, mas é impossível não relacionar Ragnarök como uma continuação, mesmo que "espiritual" ou "moral" do mesmo personagem. O clima é outro, mas o universo é o mesmo, o traço e autor são o mesmo. Minto: o traço está melhor, além da colorização estar estupenda :) E o roteiro está bem amarrado, com algumas reviravoltas e personagens secundários sendo construídos no ritmo certo.

# Veredicto: se você conhece o trabalho anterior, compre sem medo. Eu li com sorriso de orelha à orelha e aguardo as próximas edições - quando saírem. Se não conhece, recomendo também (lembrando que é uma história mais ou menos fechada, há um segundo volume a ser lançado em breve e foi anunciado um terceiro nos EUA) e sugiro que procure as histórias antigas: não vão mudar tua vida, mas são diversão honesta e bem escrita :)
# Bom: já não elogiei demais? Achei legal a construção do arco de Brynja, a elfa negra (pensei que cairia no plot batido de "personagem legal mas com obrigação moral de fazer algo terrível para um personagem que gostamos", e vira outra coisa) e a cena em que os mercenários tentam matar Thor e e eles que são mortos: um a um, seus rostos são riscados como se fosse uma planilha em quadros a parte pela página, é muito bem bolado :D
# Mau: história curta e infelizmente não é diretamente relacionado ao seu Thor dos anos 80.
164 páginas • R$79,90 • 2017 • veja no site da editora

P.S.1: enquanto eu escrevia o texto acima, saiu o segundo volume :DDD
P.S.2: pros mais curiosos, a fase dos anos 80 saiu no Brasil pelo menos três vezes:
1) está sendo anunciada uma coleção de luxo em três volumes com um preço meio salgado.
2) uns dez anos atrás saiu tudo em cinco revistas pela Panini, formato americano, mas o preço no mercado de usados tá pra lá de abusivo. Se fosse investir numa coleção nacional, comprava a coleção acima.
3) e, se você não se importa em HQs com cortes de páginas, texto resumido, colorização simplificada, tamanho reduzido e muita, mas muita nostalgia, você pode caçar os formatinhos da editora Abril, que são relativamente abundantes nos sebos. Só que o run do Simonson está bem espalhado:
Heróis da TV 101 a 111;
Superaventuras Marvel 76;
Thor (mini-série em 6 edições);
Superaventuras Marvel 83-85, 88-91, 101-107*;
• (* Entre as edições de Superaventuras Marvel 106 e 107 os encadernados costumam encaixar a mini-série de Balder, desenhada e escrita pelo Simonson. Saiu por aqui em: Superaventuras Marvel 89, X-Men 25-27);
X-Men 32-33 (parte de um crossover com X-Men e outros personagens, mas dá pra entender o que acontece sem sair do personagem)(mas já que tá com as revistas na mão, pq não ler tudo? :P O arco inteiro chamado "Massacre de Mutantes" saiu entre as edições 31-34 da então revista dos X-Men;
Superaventuras Marvel 111-112;
• e tudo conclui em Superalmanaque Marvel 4. Existem algunas referências internas a algumas histórias externas, mas dá pra entender sem elas, até melhor assim.

[e eu achando que esse guia ia ser simplezinho de fazer....]

Multiverso (de Grant Morrison) - Grant Morrison é um autor de quadrinhos que respeito na mesma medida que o acho superestimado: ele é parte genial, parte alguém que escreve sob efeito uma overdose de cogumelo estragado e parte disco riscado, insistindo em algumas temáticas sempre e sempre. Tá, não sou profundo conhecedor do escocês careca, mas toda obra dele que chega às minhas mãos corrobora o que digo - e Multiverso consegue ser tudo isso em um pacote só. E "pacote" meio que serve para definir esse gibizão, já que é um conjunto de histórias praticamente soltas, amarradas por um fiapo de trama:
• na primeira história, O Lar dos Heróis, somos apresentados à um início típico de mega-saga: são nos mostrados os personagens, os vilões (gostei deles!), cenários, o perigo que vão enfrentar. Tem algumas doses de metalinguagem muito interessantes, e... termina com um gancho para a próxima história...
• ...que não é a seguinte do volume. Sociedade dos Obstinados Super-Heróis é uma boa história sobre uma batalha de anos entre heróis e vilões, em que o mal está vencendo, e que um a um dos mocinhos quebra o voto de não matar. Termina com um gancho para a próxima história...
(ah, esqueci de comentar: praticamente todas as histórias são com versões alternativas de personagens clássicos da DC, acho que nenhum do universo "padrão" aparece)
• #TerraEU é um mundo onde os descendentes dos heróis mantém o legado dos seus pais, mas é um mundo onde os personagens são fúteis, os jovens estão mais interessados em aparentar do que merecer os dons que tem (flecha!), os adultos ficam repetindo glórias passadas. Parece muito as redes sociais :P Também termina com um problemão fatal para uma história seguinte, e gostei muito do jeito sem pressa em que ambiente e trama são construídos.
• o segundo maior problema de Pax Americana é ter um desenhista ruim que só é elogiado por ser protegido pelo campo de distorção de realidade que também beneficia o Morrison. O maior problema é que seria genial se não tivesse escalado usando escada rolante um monumento dos quadrinhos chamado Watchmen e levantado uma plaquinha lá em cima "olha, mãe, cheguei mais alto". Aqui há muita idéia legal em diagramação e construção de história, metáforas sobre processo criativo (cachorro!), mas tem muitas alfinetadas entre "magos", inclusive na escolha dos personagens. Ao contrário das histórias anteriores, o final é relativamente fechado, mas deixa trocentas pontas soltas para o futuro.
• "Capitão Marvel e o dia que nunca existiu" é fechadinha, tem um recurso no enredo que é bobo e genial ao mesmo tempo, típico de quando as histórias eram mais inocentes. Diversão das boas e uma das minhas preferidas aqui =)
• O Guia do Multiverso é uma história que tenta explicar a estrutura dos universos da DC, inclusive mostra um guia dos 52 universos da editora. É a história mais relacionada com a primeira do volume (além de ter personagens da história anterior) e termina com uma cena de "continua no próximo episódio" básico.
• E se em vez de uma cidadezinha no Kansas, o foguete que veio de Krypton trazendo o jovem Kal-El tivesse caído num território ocupado pelos nazistas em plena Segunda Guerra? Em O Fim do Explendor, temos Hitler cagando e gritando com um subordinado, temos um Super-Homem décadas depois arrependido de ter construído uma utopia em cima de cadáveres (entre outros arrependimentos), temos um Tio Sam terrorista tentando recuperar seu país do jugo dos (super-)nazi, nem que tenha de matar uma metrópole para isso. Merece palmas por tirar algo novo e pertinente em um dos temas mais batidos da ficção :P
• Então finalmente aparece Ultra Comics, a revista dentro da revista, citada em praticamente todas as histórias até agora. Tem mais metalinguagem ainda, personagem quebrando a quarta parede e... sabe o cogumelo estragado que falei lá em cima? Então, aqui ele desandou, a magia virou chacota e, realmente, siga a sugestão da capa: você não deve ler este gibi. Dê valor (ao tempo perdido d)à sua vida, salve o mundo (começando pelas árvores).
• E Justiça Encarnada encerra o volume, fechando a primeira história e tudo o mais. Depois de uma primeira história instigante seguida de várias idéias de qualidade superior, o autor que desenvolveu mundos e personagens centenas de páginas antes parece não estar mais aqui. O final é burocrático, confuso, praticamente anticlimático - e isso tem muito de Grant Morrison também.

# Veredicto: é um mostruário de idéias muito loucas, tem ouro aqui. Só falta acharem um escritor para usa-las.
# Bom: em várias das histórias, imaginação e técnica sendo exercitadas de forma intensiva. Dá até para ver a barriga tanquinho nelas.
# Mau: um monte de ganchos abertos que nunca mais continuarão :P E em muitos momentos um autor escrevendo para o umbigo, provavelmente os cogumelos são criados lá.
484 páginas • R$125 • 2017 • veja no site da editora

P.S.3: para os não iniciados em quadrinhos, tanto Grant Morrison, quanto Alan Moore (autor de Watchmen) são magos e não se bicam. Ou, ao que me parece, o primeiro fica provocando o primeiro para tentar escalar na fama do segundo, que tá de saco cheio disso. Por isso falei em "alfinetadas entre magos" :P


ìndice de resenhas e movimentações da minha estante:

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